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Um pedaço de Damasco em São Paulo

Refugiado sírio encontra abrigo e faz sucesso com loja de doces em Pinheiros na zona oeste de São Paulo 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Leonardo Pinto e Bruno Escudero

 

Nos últimos quatro anos as guerras no Oriente Médio estão fazendo com que milhares de civis deixem as próprias casas e se aventurem por diversos países do mundo para conseguir uma vida tranquila em um local seguro e longe do conflito. A guerra civil na Síria é a mais longa e com isso a população do país está entre as mais afetadas. Eles compõem a maioria dos imigrantes que se aventuram na Europa em busca de uma nova vida onde possam se estabelecer com as próprias famílias.

Entre esses refugiados está Khaldoun, de 31 anos. Nascido nas Síria, morava em Damaso, capital do país. É contador de formação e deixou a terra natal em 2013, temendo pela integridade física da família. Khaldoun veio para o Brasil sozinho, e na época deixou toda a família no Oriente Médio. Ele destaca que o país foi receptivo e conseguiu um visto com facilidade “Em nenhum outro lugar do mundo existe visto para sírio, só no Brasil. Fui no consulado americano, no consulado da Alemanha, de outros países árabes, na Austrália, não tem visto”.  

Milhares de refugiados tentam chegar à Europa cruzando o mar mediterrâneo, mas nem todos conseguem. Ao desembarcar no velho continente enfrentam barreiras e são quase impedidos de entrar nos países. A maioria quer chegar na França, Alemanha e no Reino Unido, países mais ricos e com mais ofertas de emprego. Quando finalmente conseguem cruzar as fronteiras dessas nações, vivem ilegalmente pois não conseguem obter um visto. No Brasil esse processo é mais fácil e com isso a procura pelo país é maior. Além disso milhares desembarcam em São Paulo, que é conhecida como a cidade do trabalho dentro do Brasil.  

A facilidade de se estabelecer e a receptividade do povo e do governo brasileiro também são atrativos para esta onda de refugiados.

No último dia 10 de setembro, a presidente Dilma Rousseff, em coluna (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1679691-os-refugiados-e-a-esperanca.shtml) publicada na Folha de São Paulo, ressaltou que o país está aberto para todos que procuram o Brasil como destino para uma vida melhor. A postura difere de outros líderes europeus e é um atrativo para os sírios.

No Brasil, Khaldoun trabalhou com diversos ofícios antes de se firmar no negócio que tem hoje, a loja de doces ‘Damascus’ e salgados árabes na região de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Ele trabalhou como camelô e em confecções de calças jeans por cerca de cinco meses. No ano passado foi vendedor ambulante de camisas da seleção brasileira durante a Copa do Mundo. Também chegou a trabalhar com vendas na feirinha da madrugada, no centro da cidade de São Paulo. Ele ressalta a dificuldade de conseguir dinheiro com essas atividades “Quando você é funcionário é muito difícil ganhar dinheiro”.

Hoje não tem mais saudades da sua família, com o dinheiro que ganhou nos diversos trabalhos já conseguiu trazer todos os parentes para o Brasil. Ao todo são quinze pessoas que dividem uma casa na região do Brooklin. O cunhado Saleem Zafary também trabalha na loja. Além disso o pai Said Mourad ajuda nos negócios. Já o irmão não participa das vendas. “Ele é dentista e quer abrir um consultório aqui, mas é muito difícil”.  

Também vem da família alguns alimentos comercializados no local. O Babaganush, salada de purê de berinjela com Tahine e suco de limão, é produzido na casa de Khaldoun. Ele conta que alguns parentes já vendiam doces na Síria. “Meus primos já tinham uma loja de doces na Síria, mas eles não vieram juntos. Eles ficaram”. Ele também destaca que a loja foi a maneira mais fácil que encontrou para conseguir ganhar algum dinheiro: “Abrir uma loja é muito rápido, logo comecei a ter lucro”. Mesmo assim ainda sonha em voltar para a antiga profissão de contador “Aqui no Brasil é difícil para falar e eu não conheço a lei, para registrar o diploma também é difícil, mas depois de 3 ou 4 anos eu quero ter meu escritório de contador pois minha esposa também é contadora”.

A loja de salgados e doces árabes ‘Damascus’ fica na rua Cônego Eugênio Leite, 764. Foi inaugurada há cerca de seis meses. Antes o local funcionava como uma papelaria. Mas para começar o negócio foi preciso muito investimento: “Eu não conheço o nome do material, foi difícil para comprar os materiais. Para reformar a loja foram necessários quatro meses”. 

Quando nos contava a trajetória do estabelecimento, nossa conversa foi interrompida por uma cliente que entrava na loja para comprar algumas especialidades. A entrevista aconteceu em uma segunda-feira e, por isso, o movimento estava tranquilo. Tivemos a oportunidade de ver Khaldoun lidando com os clientes. O português ainda é um obstáculo, mas sua simpatia quebra esta barreira. No dia que estivemos presente o sistema de pagamentos por cartões não estava funcionando. Com isso a senhora que havia entrado não conseguiu pagar pelos produtos. Problema? Não. “Outro dia você vem e paga” disse Khaldoun para a cliente que saiu um pouco sem graça prometendo regressar no dia seguinte. Ela levava Esfihas, Babaganoush, pão sírio e alguns doces.  Todos os produtos são de fabricação caseira.

Nossa conversa é retomada. Khaldoun nos revela que também trabalha com um confeiteiro que produz os doces e os pães. “Eu conheci ele na Jordânia, viemos para cá juntos, também é sírio, de Damasco”. Khaldoun conta que apreendeu as receitas com a própria família e, junto com o confeiteiro Tarek, de 20 anos, as aprimorou para oferecer para o público.

Os doces são os principais produtos vendidos na loja. O que se destaca é o pastel de nata, que tivemos a oportunidade de experimentar. Além disso o café árabe também é um item muito pedido. Provamos uma xícara, o gosto é muito diferente da bebida feita no Brasil. Não tão encorpado como os expressos paulistanos, mas muito saboroso e não leva açúcar. O processo para fazer a bebida também é diferente “Esse não precisa coar, só ferver água, coloca o pó e deixa descansar”.

Outro produto que é muito vendido são as esfihas. Diariamente são feitas entre 50 e 60 esfihas sendo entre 25 a 30 de carne e 25 a 30 de queijo. Na segunda-feira que visitamos o local haviam sido feitas 50 esfihas, por volta das 19h apenas 10 sobravam na estufa localizada na entrada do estabelecimento, isso com o movimento fraco, segundo Khaldoun. Ele brinca que o prato árabe faz sucesso no país “no Brasil primeiro é a feijoada e segundo é a esfiha”.

Khaldoun revela que tem bom movimento de clientes e já conhece os fregueses. “Primeiro eu falava português devagarzinho, apenas os números, mas agora consigo conversar”.

Apesar do pouco tempo no país, o português falado por Khaldoun é bom e compreensível. Mesmo assim ele ainda quer melhorar com a língua “Eu quero aulas para aprender muito, mas não tenho tempo, é muito trabalho todos os dias”.  A loja abre às 10h da manhã e fecha às 8h da noite. Khaldoun chega duas horas antes para começar a preparar os doces.

Também fomos apresentados para Tarek, confeiteiro da loja que deixou o país também por conta da guerra. Veio sozinho para o Brasil e ainda não conseguiu trazer sua família. Está no país a um ano e cinco meses e hoje vive em um quarto no fundo da loja. “Aprendi a fazer os doces na Síria, em uma escola. ”. Tarek nos conta que, aqui em São Paulo costuma frequentar as atividades do Sesc “Eu gosto muito de esportes, costumo jogar basquete na República. Aqui em Pinheiros uso as piscinas”.

Quando saímos, Khaldoun não aceitou o dinheiro pelos doces e café oferecidos. Durante toda a conversa os dois sírios se mostraram muito felizes em terem encontrado um lugar para se estabelecer aqui no Brasil. A língua portuguesa, o alto custo de vida da cidade e a crise econômica são fatores que prejudicam os negócios, mas eles parecem não se importar e agradecem muito por terem sido recebidos pelos brasieliros.         

 

Damascus

Endereço: Rua Cônego Eugênio Leite, 764, Pinheiros

Horário de funcionamento: 10h às 20h

Contato: 3064-5318

Dicas: Pastel de nata, esfiha fechada de queijo e café árabe

 

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