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PÃO QUEIJO: HISTÓRIA, RECEITA E SUAS PRÁTICAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Letícia Sabbag

 

       Crocante por fora, cremoso por dentro, de aroma e sabor divinos: estas são algumas descrições do pão de queijo – um dos melhores amigos do café da tarde brasileiro. De origem mineira, o salgado vai bem tanto no verão quanto inverno. Além disso, dificilmente alguma bebida não combina: de chocolate quente e café, a refrigerante e suco, e até mesmo cerveja. O pão de queijo é um dos salgados típicos conhecido mundialmente, não só por ter seus poucos e simples ingredientes na composição, como pela sua história curiosa.

 

       De acordo com Caio Prado Júnior no livro “História Econômica do Brasil”, foi durante a mineração e seu declínio (em meados do século XVIII) que aconteceu o que define como renascimento agrícola no território. Com a mineração fraca, a população, principalmente na região de Minas Gerais, se volta para a pecuária e desenvolve em escala comercial a indústria dos laticínios, novidade para a época. O queijo aí fabricado é o famoso "queijo de Minas", ou queijo Minas. Naquela época dificilmente se encontrava farinha de trigo, já que o solo nordestino e clima tropical não eram favoráveis ao plantio do cereal de regiões temperadas. A melhor substituição do trigo para a fabricação de pães era o polvilho, derivado da mandioca.

 

       Eis que em um belo dia, as criativas cozinheiras das fazendas mineiras decidiram misturar o polvilho às lascas de queijo endurecido que sempre sobravam nas refeições, e levaram ao forno. Plim! Nasce o pão de queijo! “Acredita-se que o momento de fazer o pão de queijo era a descontração das cozinheiras, falavam sobre as novidades da vizinhança enquanto produziam o pão de restos”. Diz a chef de cozinha Elzinha Nunes, de família tradicional mineira e proprietária do mineiríssimo restaurante “Dona Lucinha”, com unidades tanto em São Paulo quanto em Minas Gerais. O primeiro restaurante foi inaugurado a mais de 25 anos, em Belo Horizonte.  

 

       Elzinha Nunes tem 64 anos e trabalha com comida desde os 7. “Minha família sempre foi da roça, meus pais e irmãos iam trabalhar e eu ficava na casa, na frente do fogão, e em cima de um banquinho, porque era muito pequena para alcançar as panelas” – ela ri da lembrança. O pão de queijo é uma de suas grandes paixões, e com o passar dos anos e a inauguração dos restaurantes, foi possível testar diversas receitas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     

 

 

 

É claro que desde os 1700 o pão de queijo foi aperfeiçoado. Em geral, os ingredientes do pão de queijo são o polvilho, leite, óleo vegetal, sal, ovos e queijo. Aí entram as variações: há quem faça com polvilho doce, outros com polvilho azedo ou uma mistura dos dois ou até mesmo com diferentes farinhas – o que acaba influenciando no sabor. A quantidade de leite e ovos pode mudar – resultando na mudança da textura da massa, deixando mais mole, ou firme ou crocante. O óleo vegetal varia entre soja, canola, e girassol, e o queijo pode tanto ser o clássico Minas meia cura quanto o parmesão, quanto outros queijos saborosos – isso influencia na cremosidade e intensidade do sabor. Elzinha Nunes já fez pelo menos 14 receitas, mas sua preferida é a clássica, com queijo minas meia cura. “Toda família mineira tem uma receita de pão de queijo. A minha sempre fez com o queijo meia cura, e é a que levei para o Dona Lucinha’.

 

       Para Renildo Miguela, pão de queijo é prática. “Com o tempo você descobre o ponto da massa. É importante que ela não cole, o segredo é sovar bastante”. Renildo Miguela é chef de cozinha na unidade Dona Lucinha em Moema, e diz ter aprendido técnicas não somente com a proprietária mineira, mas também (literalmente) colocando a mão na massa. Acredita ver melhorias no produto final desde que começou a trabalhar no Dona Lucinha. “Até porque o couvert da casa é o pão de queijo”, completa.

 

 

       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Se o pão de queijo representa história, tradição familiar e trabalho, ele também pode ser passatempo. O estudante Hares Datti começou a cozinhar aos 16 anos, e logo se aventurou na receita da iguaria histórica. “A família do meu pai é mineira, e sempre que nós visitávamos minha avó, eu comia seu pão de queijo. Nunca achei nada igual em São Paulo, por isso resolvi seguir a receita dela”. Como Renildo Miguela e Elzinha Nunes, Hares também defende o ponto “certo” da massa –  não pode colar na mão ou ficar mole. Além disso, aconselha os amadores de cozinha a testarem diferentes queijos e comprá-los com atenção: a diferença de sabor do queijo influencia no resultado final da delícia mineira. “Por falta de tempo, faço a cada dois meses. Mas amo pão de queijo e a dedicação sempre vale a pena.”

 

       Já um apaixonado por pão de queijo com tempo de sobra é Valter Klein, que leva seu hobby para a sua pequena cantina no Teatro Gomes Dias, na Vila Mariana. O aposentado faz pães de queijo entre duas a três vezes por semana (em quantidade artesanal), congela e faz a fama no Teatro Gomes Dias. Com 68 anos, Valter já teve confeitaria por trinta anos, por isso tem conhecimento de massas. Entretanto, fazer pães de queijo e formular a receita ideal vieram com a idade “Não consigo ficar parado, sou muito ansioso. Então fazer pão de queijo preenche meu dia.” Valter trabalha há sete anos com a cantina, seus fregueses diários são alunos de teatro, muitos dos quais sempre compram o famoso salgado. “Uma maneira de distrair esses jovens é a comida, e, por ser caseiro, se torna ainda mais especial”. Ainda confessa: “Se pudesse, comia pão de queijo toda hora”.

 

      Trabalho, tradição familiar, hobby, paixão, história, o pão de queijo vai muito além de agradar a maioria dos paladares. Aliás, essas são somente algumas palavras que podem descrever uma comida tão simples e típica. Agora, depois de um longo texto, nada melhor que um café preto - com direito ao saboroso pão histórico das fazendas mineiras para acompanhar. Abençoadas sejam essas cozinheiras!

 

 

Elzinha Nunes, chef de cozinha e proprietária do Dona Lucinha

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